Pedaços de Mim
Precisava juntar meus pedaços, escolhi as palavras...
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MINHA RUA
A rua de que mais me lembro dessa cidade é a Artur Bernardes. Talvez porque ali se erguera o velho casarão de meus avós paternos. Era a rua principal, embora não tenha sido a primeira da cidade. A primeira fica perto de um córrego onde nascera a cidade. Uma pequena Igreja e umas poucas casas por volta de 1882...
Pouco sei das histórias desse tempo. Sei apenas que na “rua de baixo” moravam as famílias mais tradicionais da cidade. Mas confesso que prefiro a rua que conheci em minha infância. Ela sim faz parte de mim de uma forma que não sei explicar. Naquele tempo seu dorso era terra só. Rua larga... Mas vi ela se transformar pouco a pouco. Lembro-me, por exemplo, quando escavavam as valas para passar a rede de esgoto. Muitas vezes brinquei naquelas valetas com meus primos até o sol se por no horizonte.
Mas o progresso veio logo. A minha rua cobriu-se de paralelepípedos de concreto em forma de hexágono. O cerrado que ficava do outro lado ganhou casas e o pé de piqui perto de uma porteira foi cortado. O progresso é coisa que não se barra. Tem fome. É impressionante como avança e destrói velhas lembranças... Até o velho casarão, arquibancada dos desfiles de sete de setembro, espremeu-se em meio à modernidade e tombou-se dando lugar a uma casa moderna.
Hoje penso que o progresso levou tanta coisa. As melhores coisas... Levou a velha rua de terra... A minha rua... A rua de minha infância... Penso que um pouco de mim ficou lá naquela poeira vermelha que impregnava o piso de assoalho do velho casarão.
Hoje a saudade é de concreto. Dura. Fria. Insensível. Machuca. Mas também consegue ser suave e doce.
Hoje minha meninice chegou ao outono onde a saudade já tem ares de velhice. Fecho os olhos... A lembrança tem a leveza da poeira que cobria toda a minha rua. Há também uma cicatriz que dói. Penso que é o efeito da lâmina da evolução. Então fico me perguntando quanto de minha meninice e adolescência ficou naquela rua. No velho casarão daquela rua... Talvez o Natal mais feliz e as brincadeiras mais afoitas. Talvez o fim da meninice e o início da adolescência. O atravessar a rua para comprar pão na única padaria da cidade... O fim do primário... As revistas de fotonovelas debaixo do colchão... Os romances de José de Alencar e Machado de Assis vieram depois quando uma grossa camada de asfalto cobriu os paralelepípedos sufocando-os.
Esqueci de dizer que nasci nessa rua, exatamente em um dos quartos do velho casarão. Então tudo ali faz parte de mim...
Lembro-me com saudade das pessoas que fizeram parte de minha vida nesse lugar. A doçura de meu avô com seu colete de flanela xadrez sentado solitário na sua vendinha de frente e minha avó a fazer pés - de -moleque todos os dia para vender. Lembro-me da Silvinha... Único nome que guardei das meninas que brincavam comigo naquela rua. Meu primo Elias que dizia “gostar” de mim... Muitos dos vizinhos hoje são apenas vultos que povoaram a velha rua. A rua de terra se foi em nome do progresso. As pessoas que nela viveram se foram em nome do ciclo da vida. Eu ainda vivo. Mas são tantas as saudades!
Uma rua devia chorar por aqueles que nela viveram. Mas rua não tem lágrimas, embora possa dizer que tenha vida. Então eu me pego com lágrimas nos olhos. Hoje percorro a velha rua em meus pensamentos. Sua antiga poeira invade minha alma. Sinto seu cheiro. Olho para trás. Vejo meus rastros... Vejo que parte de minha história está nessa rua. Impregnada na poeira de outrora. Perdida nos vãos dos paralelepípedos. Esmagada no asfalto que o progresso deixou...
Sonia de Fátima Machado Silva
Enviado por Sonia de Fátima Machado Silva em 04/06/2012
Alterado em 05/06/2012
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